ORIGENS
Nos
carnavais da década de 20, a pobreza e a malandragem cariocas reuniam-se na Praça
Onze para sambar. Dessa alegria, a curto prazo foram nascendo as escolas de
samba, que, a partir de 1947, ganharam as avenidas, grandes palanques e novos
espectadores. A Praça Onze deu caminho à Avenida Presidente Vargas, onde
passaram a desfilar as grandes escolas. Nas imediações da antiga praça, resistiam
as pequenas, relegadas ao III Grupo. Ainda se podia ouvir na segunda-feira de
carnaval, o repique do samba, o baticum de magras baterias. Finalmente, o
grande desfile do carnaval carioca, já na década de 70, trocou a Presidente
Vargas pela Avenida Marquês de Sapucaí, desembocando onde fora a Praça Onze.
É como se voltassem para ela, a cada ano. Os restos de um grande sonho
consumido.
A PRIMEIRA ESCOLA DE SAMBA
DEIXA FALAR, do bairro do Estácio de Sá, foi a
primeira escola de samba e deu origem à forma como o samba é cantado pelas
escolas.
Fundada
em 1928 por Ismael Silva, Nilton Bastos,
Balaco, Brancura, Bide e outros “bambas”, a Deixa Falar teve vida curta. Em
1933 juntava-se ao Bloco União das Cores, dando origem ao Bloco Carnavalesco União do Estácio de Sá.
O CANTO PROFANO DE LINDAS MULATAS
Nos
demais redutos de samba do Rio, desde meados da década de 20, vinha ocorrendo a
fusão dos blocos de samba, que se multiplicavam mais notadamente na Favela,
na área da Freguesia do Irajá ( do Engenho de Dentro até Bangu), em
Mangueira e no Estácio.
E
todos os blocos traziam em comum alguns traços fundamentais: a dolência no
canto, a coreografia de andamento do grupo em forma de procissão e o ritmo
animado por instrumentos de corda e de percussão de fácil domínio.
Essas
marcas estavam presentes também nos ranchos – que polarizavam as camadas pobres
e remediadas da população carioca antes da supremacia das escolas de samba – e
nas “taieiras”, um séquito religioso que saía às ruas nas festas de São
Benedito e de Nossa Senhora do Rosário. Nas taieiras confundiam-se
religiosidade e o canto profano das “lindas mulatas, vestidas de saias brancas,
entremeadas de rendas, de camisas finíssimas e de elevado preço”, que Melo Morais Filho viu no século
XIX e registrou em sua obra Festas e
tradições Populares do Brasil.
É do compositor Cartola a lembrança de que, nos primeiros anos da década de 20, os
agrupamentos de sambistas tinham dono: em geral, um valente que liderava os
demais. – No Morro da Mangueira – registra Cartola -, o dono do samba
era um tal de Boco. De certa feita, um amigo desse Boco convidou-o a
levar o samba de Mangueira a Botafogo. Fomos a pé, cantando e batendo nossos
instrumentos, passando praticamente por seis bairros. De quando em vez,
parava-se em frente a alguma casa e nos exibíamos. Das janelas e em torno de
nós pessoas atiravam moedas, que a mulher do tal Boco ia guardando num saco de
pano, assim como fazem as folias de reis. Quando chegamos, afinal, em Botafogo,
uma senhora nos recebeu na porta do homem do convite, informando que ele não
estava. Já estávamos caindo de fome e aquilo, foi um choque. A gente ali,
parados, sem ação, decepcionados. De repente, a mulher se apiedou de nós, olhou
para um pé de carambola e disse: “quem quiser pode apanhar”. Todo mundo se
fartou. Antes de voltarmos ao morro, o Boco, a mulher dele o saco de dinheiro
da coleta haviam desaparecido.
Como
havia perseguição policial aos sambistas (genericamente considerados maus
elementos), era nos morros, em terreiros de modestas moradias, que os grupos de
samba contavam com maior liberdade para realizar suas festas. À distância, o
som dos instrumentos era inaudível, e o difícil acesso intimidava a ação dos
repressores.
Juvenal Lopes – o
conhecido Nanal, do Estácio, por várias vezes presidente da
Mangueira – registra que alguns delegados de polícia chegaram a se notabilizar
pelo “carrancismo com que se especializavam na perseguição dos sambistas”. Conta
Nanal: - um deles, o delegado do 23º distrito, Abelardo Luz, chegava a tais extremos que até lhe dediquei um
samba, cujos versos dizem:
“credo
em cruz!/ aí vem o delegado/Abelardo da Luz./temos pão-de-ló,/ temos pão com
manteiga./ Você sai do samba./ já vou minha nega”.
Relembra
ainda Nanal que, na mesma noite em que tirou esse samba, na casa de Francelino, no Morro do
Urubu ( Madureira), o local da festa foi cercado pelo próprio Abelardo da
Luz, que os levou a bengaladas, morro abaixo, até a delegacia, onde foram
obrigados a cantar samba sem parar. – Se
alguém silenciasse, era pá-pá-pá, bengalada no lombo.
No
Estácio, a excelente memória de Tia
Lourdes (Lourdes Medeiros, nascida na primeira década do século XX),
lhe permite falar de quatro terreiros de samba, no Morro de São Carlos; o de
Tia Atanásia, o de Tia Miquimba, o de Dona Mariazinha e o de Carestia da Prata,
o maior valente do morro.
-
Ainda não se saía com samba nas ruas – conta ela. – Era tudo realizado lá no
morros mesmo.
Dona
Sinhá ( Maria Ramos da Conceição), uma das mais antigas
baianas do Estácio, descreve as
festas e a limitações do terreiro de uma dessas tias, a Tia Miquimba:
-
era um quintal de 3 metros por 4, no alto do morro, cercado por um baldrame de
madeira. O ritmo era feito com os instrumentos da macumba dela. As mocinhas
eram muito protegidas pela severidade da dona da casa e do seu homem.
Dançava-se em roda e aos casais, quando aparecia cabaça e cavaquinho, para dar
mais harmonia. A dona da casa servia canjica, em caneca de metal, para forrar
nosso estômago.
Em
outro reduto de samba, o Engenho de
Dentro, no Rio da década de 20, o quadro pouco se diferenciava. José
Espineli ( ou Zé Espinguela), conhecido macumbeiro, organizava festas:
-
Ele morava no Engenho de Dentro – conta Cartola
-, numa casa onde se realizava roda de samba na frente, macumba na sala e
caxambu nos fundos.
Mestre
Dengo ( Ariodantino Vieira, nascido em 1908),
compositor da Mocidade Independente de
Padre Miguel, dá mais um retrato desse período. Ele participou das festas
realizadas no quintal da casa de Napoleão do Nascimento (pai do Natal da
Portela), em Oswaldo Cruz.
Ali,
em 11 de abril de 1923, se fundaria a Vai
Como Pode, hoje Portela. – O ambiente era muito carregado - lembra Mestre Dengo -, às vezes, ganhava
tamanha tensão que ninguém respeitava ninguém. As figuras mais acatadas eram Nonô
Sapateador, Manoel Bam-Bam-Bam e Paulo da Portela. Além do samba, a
brincadeira preferida era o jogo da perna, na roda de samba. Tirava-se um mote,
como no caxambu, e ficava-se repetindo seus dois ou quatro versinhos, pobres de
letra e, às vezes, sem rima. Um dos participantes ia para o meio da roda e se
plantava ali, ereto como um poste. Antes, porém, sambava, fazia salamaleques, e
tocava, com os joelhos e o pé, as pernas de um companheiro de roda. Esse, o
desafiado, passava então a sapatear e gingar em torno do desafiante plantado até que, num momento de
surpresa, mandava a perna. Se houvesse queda, ele desafiava um outro
companheiro e plantava pra ele. Certa
madrugada apareceu no terreiro do Napoleão, um sujeito mascarado, vestido de
mulher, com a saia amarrada às pernas. Era imbatível na pernada. Quem plantasse, caía.
-
No canto de improviso – prossegue Mestre
Dengo -, surgiu um partido-alto muito alegre, conhecido até nos dias de
hoje:
“deixa
amanhecer,/ para conhecer quem é./ Deixa amanhecer;/para conhecer quem é”.
Realmente, ao amanhecer, a figura mascarada se revelou. Era o Roxo
da Favela, um capoeirista muito valente e respeitado.
Parabéns pelo blog. Eu tenho pesquisado sobre o compositor Dengo e gostaria de saber mais detalhes sobre ele. Poderia me ajudar, por favor?
ResponderExcluir