TIAS,
FUTEBOL E RANCHOS
Em
fins do século XIX, tangidos para o Rio de Janeiro pelos efeitos da Guerra
dos Canudos e da peste que dizimava povoados do sertão, levas de retirantes
baianos começaram a ocupar as montanhas adjacentes ao Morro da Matriz, junto ao centro do Rio de Janeiro.
(A
eles se deve o neologismo “favela”,
designando um agrupamento de submoradias enquistado nos morros – o
termo antes indicava apenas uma planta comum na região de origem desses
migrantes).
Em
1870, mudara-se para o Rio de Janeiro, a baiana Hilária Batista de Almeida,
indo residir na Rua da Alfândega, e,
mais tarde, na Visconde de Itaúna.
Hilária tornou-se famosa como Tia Asseata, Assiata, ou Ciata,
e sua casa tornou-se um centro de festas e reuniões de boêmios, fundamental
como dado indicativo do surgimento do samba. Ali, fizeram-se conhecidos
grandes nomes da música como Caninha,
Pixinguinha, Sinhô, Heitor dos Prazeres, Donga e Mauro de Almeida (responsáveis, os dois últimos pelo
registro da expressão “samba”, designando uma nova manifestação de cultura
popular, através do canto e da dança).
Nos
encontros em casa da Tia Ciata destacava-se a figura de Hilário Jovino Ferreira, que
marcaria sua existência por ser o iniciador do movimento que resultou na
criação do primeiro rancho carnavalesco: o Rei de Ouro, fruto de suas
lembranças das festas dos Três Reis Magos, da Bahia.
Segundo
Bicho
Novo (Acelino dos Santos, nascido em abril de 1909), as escolas de
samba tiraram sua forma de organização e andamento dos ranchos. “Só o ritmo é
diferente”.
Juntamente
com Juvenal
Lopes, Bicho Novo, foi um dos
maiores mestres-salas do Estácio e
Fundador da Deixa Falar. Acrescenta ele que os times de futebol também
deram sua contribuição, mas os ranchos é que ofereceram a forma de apresentação das escolas de
samba: - havia samba em toda parte, mas
o pessoal do Estácio tinha mais
organização porque vinha da experiência do futebol. Lá se reuniam os times da Ponte dos Marinheiros, da Mangueira e do
próprio Estácio, que jogavam no campo do Flamenguinho ou da Mangueira.
Depois dos jogos, bebia-se, comia-se e se fazia samba.
As
cores da Deixa Falar, por exemplo,
são as do América, vermelho e branco. Já o nome de “ escola de Samba” todo
mundo diz que foi o Ismael Silva que
deu, por causa da escola normal da cidade, que era aqui no Estácio.
Orgulhoso da nossa melhor organização, ele dizia:
“nós
somos escola de samba”. Os outros, para não ficarem para trás, também foram se
denominando “escolas de samba”.
Dois
sambas do final da década de 20, de redutos próximos do Estácio, oferecem a
técnica desse aperfeiçoamento que Bicho
Novo atribui à DEIXA FALAR . ao
tempo em que o compositor Brinco, da VÊ SE PODE, compunha usando expressões de caxambu, macumba e jongo
(“até parece coruja,/ que anda gabando o toco onde mora./ Assim é você,/que
anda dizendo que teu bloco é melhor./Fica feio pra você./Oh! Meu belo moço,/
Quem corre cansa./Você mesmo toca,/você mesmo dança”), Bide, na DEIXA FALAR, já
colocava em seus sambas versos afinados com os que viriam a caracterizar o
samba urbano carioca: “ Sempre vencemos, nunca perdemos./Nosso time é o
Estácio./Vamos pra Balança,/ Não damos confiança./ Peso é peso,/Braço é braço”.
-
O pessoal do morro – analisa Bicho
Novo – fazia samba após a macumba, no terreiro. Vestia brim caroá,
chapéu de palha, calçava tamanco, chinelo. Os rapazes da Estácio gostavam de futebol, baile, de ternos de panamá,
chapéu de palha-de-arroz, camisa e meia de seda, o sapato contra-caldo
(película fina, preto e branco, salto carrapeta). Eles é que criaram o Bloco DEIXA MALHAR e, mais tarde, a Escola de Samba DEIXA FALAR, que
nasceu numa estalagem localizada na esquina das ruas Maia Lacerda com Estácio. Bull-dog
(um dos melhores mestres-salas do período áureo dos ranchos) e Otávio é que tiveram a ideia. Todo
mundo acompanhou. Os dois eram responsáveis pelo time do Estácio e saiam no Rancho
MACACA É OUTRO. Então, vinham com
aquela experiência toda: “ritmistas ficam ali atrás, as moças em fila dos
lados, vai um grupo de homens fortes na frente, etc. e tal”.
FONTE:
NOVA HISTÓRIA DA MUSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL
CULTURAL – 1979
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