A Idade Média
MELODIA - UM INSTRUMENTO DE FÉ
O cristianismo mostrou ao homem um mundo interior
que ele desconhecia, e essa revelação transformou a sua visão de si mesmo, bem
como a sua posição face às coisas.
Movidos por esse novo modo de ser, os primeiros
cristãos desenvolveram sua própria arte com o objetivo de exteriorizar não
somente sensações, mas sentimentos de integração religiosa. Esta ideologia que
se generalizou nos séculos iniciais da Idade Média foi a causa de origem da
monodia cristã.
Os Hinos e Cânticos da nova concepção musical
inspiravam-se nos Salmos da Bíblia. Solo e Coro, ou Coros alternados,
dialogavam nas orações musicadas, sendo que a participação de um dos grupos
vocais às vezes não ia além dos "aleluias" e "améns" que marcavam
o fim de cada passagem.
Aos poucos, formaram-se artistas profissionais que
aperfeiçoaram o canto das melodias. A princípio, dividiram o texto em sílabas,
atribuindo apenas um som a cada uma delas (canto silábico). Mais tarde, por
influência da música oriental, as sílabas já reuniam vários sons,
enriquecendo-se com um ornamento vocal (melisma).
Os grandes centros da Igreja - Bizâncio, Roma,
Antioquia e Jerusalém - eram também os grandes centros da música, cada qual com
sua liturgia musical particular.
No século IV, em Milão, Santo Ambrósio criou um
estilo que tomou o seu nome - ambrosiano. Na mesma época, Santo Hilário
compunha na França uma música de características diferentes - o chamado estilo
galicano. E três séculos depois, na Espanha, Santo Isidoro seguiria uma
terceira tendência - o estilo moçárabe.
Contudo, foi em Roma que se estabeleceram os
padrões que deram ao canto litúrgico da Igreja Romana uma forma fixa. Quem os
organizou foi o fundador da Schola Cantorum, Papa Gregório Magno - o que explica
o nome de Canto Gregoriano com o qual se tornou conhecido esse gênero musical.
Caracterizava-se por uma melodia linear e plana - o "cantus planus".
Por isso chamam-no também, mais tarde, de cantochão.
"ARS ANTIQUA" - ANTIGA
SÓ NO NOME
Ao longo dos séculos e sob a influência de novas
maneiras de cantar, o Gregoriano se modificou, mas conservando o seu caráter
monódico, uma vez que ele favorecia a concentração religiosa. No século XIII,
certos contracantos clandestinos se infiltraram na melodia tradicional,
subvertendo a liturgia que fixava os Tons da Igreja. Com reprovação, os
religiosos viram também que sua música começava a denotar traços da criação
musical erudita que se cultivava nos castelos e até das canções populares dos
aldeões.
Livre da rigidez litúrgica, esta música profana que
podia reunir várias melodias no mesmo canto era uma escapada na direção da
polifonia. E o povo, ajudado pelos trovadores, acabaria impondo sua fusão com o
canto tradicional.
Apesar de todos os progressos feitos no campo musical
durante esse período, a História registrou-o com o nome de "Ars
Antiqua". Na verdade, ao fim do século a música já era uma arte nova.
Grande parte dos avanços da "Ars Antiqua"
deve ser atribuída ao Mestre Leoninus e a seu aluno, Perotinus, que trabalhavam
na Catedral de Notre-Dame, em Paris. Mas, esses dois compositores, assim como
outros da Idade Média, não puderam ir muito longe, tolhidos pela precariedade
dos meios de escrita musical. Havia sistemas de notação, mas eram ruins.
O primeiro que apareceu baseava-se no alfabeto: as
sete primeiras letras representavam os sete sons da escala, começando pela nota
lá. Depois, criaram-se os neumas, sinais oriundos dos acentos grave, agudo,
circunflexo, e do ponto. Porém, a notação neumática tinha o defeito de não
indicar a altura nem a duração dos sons. Melhor que ela, era o método do monge
Guido d'Arezzo (995-1050), que adotou uma pauta de quatro linhas e definiu as
claves de fá e dó para registrar a altura dos sons.
Além disso, d'Arezzo deu nome às notas, tirando as
sílabas iniciais de um hino a São João Batista:
Ut queant
laxis Para que possam
REsonare fibris ressoar as maravilhas
MIra gestorum de teus feitos
FAmuli tuorum com largos cantos
SOLve polluti apaga os erros
LAbii reatum dos lábios manchados
Sancte Ioannes. Ó São João.
REsonare fibris ressoar as maravilhas
MIra gestorum de teus feitos
FAmuli tuorum com largos cantos
SOLve polluti apaga os erros
LAbii reatum dos lábios manchados
Sancte Ioannes. Ó São João.
(O UT mais tarde passou a chamar-se DÓ. Mas não se
sabe quem o batizou, assim como se ignora quem foi o padrinho do SI.) O
Mensuralismo, inventado por Walter Oddington e Franco de Colônia no século XII,
também ajudou a evoluir a técnica musical. Era um sistema que permitia medir o
tempo sonoro, determinando uma duração específica para cada nota (breve,
semibreve, mínima, semínima, colcheia, semicolcheia, fusa, semifusa,
quartifusa).
A NOVIDADE DA "ARS
NOVA"
Quando nasceu, na França, a polifonia erudita
consistia numa forma bastante simples de tirar efeito de um som contra outro.
Mas esse jogo de "punctus contra punctus" - o contraponto - facilitou
a criação de novas formas vocais, como o Motete, o Conducto e o Rondó. Era uma
música diferente que se articulava. Receberia o nome de Ars Nova.
O grande teórico da Ars Nova foi o Bispo Filipe de
Vitry. Entretanto muitos outros também cuidaram de dar precisão matemática às
regras do canto coral, tornando já conscientes certas combinações harmônicas.
Sem poder competir com as inovações da música
profana, o canto católico se encerrou nas igrejas. Esse recolhimento não o
prejudicou: ao contrário, foi a partir de então que ele se desenvolveu numa
forma de expressão litúrgica, a Missa. Graças a ela, ganharam evidência os
organistas e mestres de capela. E ganhou celebridade um compositor - Guillaume
de Machaut (1310-1377). Poeta da côrte francesa de Carlos V, criador de
cantigas e baladas profanas, Machaut escreveu a Missa da Sagração, que é
considerada até hoje uma obra-prima.
Contudo, o verdadeiro espírito da Ars Nova do
século XIV se revela é na fusão da música erudita com a popular.
Compositores também notáveis desse período foram
Jacopo da Bologna, Gherardello da Firenze, Witzlav von Ruegen, Francesco Landino,
Giovanni da Cascia, Jean de Grouchy, Jean de Garlande e Johannes Ciconia.
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