terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

ESCOLAS DE SAMBA - O LUXO VEM DE LONGE




A Escola de Samba Visinha Faladeira, com “s” mesmo e de curta vida: 1932-1940, conquistou o título de campeão do carnaval de 1937 com o enredo A Origem do Samba. Seu reduto de formação era a Saúde, bairro localizado entre o cais do porto e a Central do Brasil.
Desde 1935, a escola já espantava os assistentes apresentando  seus condutores de harmonia trazendo megafones-cornetas, para melhor orientar o canto dos componentes. E mais: gambiarras de petromax (conjunto de refletores feitos com lampiões a querosene) para iluminar a escola durante a apresentação;  o carro de pede-passagem elaborado em pasta; suas pastoras vestidas em lamê de 42 mil-réis o metro; fogos de artifício a fim de alertar o público para o desfile; e, para estupor das escolas pobres, sua comissão de frente – vestida de terno branco de flanela, gravata borboleta e cravo preto na lapela – desfilou em pé nos estribos de dez “landolés” ( como se chamavam então, os carros abertos, de luxo, usados nos casamentos pomposos).
E tanto fez a Visinha Faladeira que em 1939 acabou sendo eliminada do concurso oficial de samba por não apresentar enredo baseado em tema nacional: seu assunto, naquele ano ano, foi Branca de Neve e os Sete anões. No ano seguinte, a escola desfilou na Praça Onze e, ao se aproximar do júri, contornou o palanque em sinal de protesto.
Em 1947, um golpe de Estado na direção da Escola de Samba Prazer da Serrinha deixou seu todo-poderoso diretor Alfredo Costa com a escola quase vazia. Os dissidentes fundaram, então a Império Serrano, que surpreenderia a todos, inovando pelo luxo das fantasias e pelo tratamento mais refinado de seus carros alegóricos.
Muitos dos seus figurantes eram portuários e, graças a algumas facilidades profissionais, tinham acesso a produtos importados que colocavam a escola em condição de superioridade frente às concorrentes. Assim, a Império Serrano se fez tetracampeão, no período de 1948 a 1951. Sua primeira vitória quebrou a hegemonia mantida pela dupla Portela-Mangueira, vencedora dos carnavais  de 1939 a 1947. Tantas foram as pressões e as brigas de rua em Madureira, com os portelenses, que a Império conseguiu criar a Federação das Escolas de Samba. E fez mais: o governo municipal reconheceu a Federação como responsável pelo desfile oficial de sambistas. Assim, Portela e Mangueira, que se mantiveram fiéis à União Geral das Escolas de Samba, tiveram seu desfile esvaziado e sem subvenção oficial.
Então, a Império Serrano se fez absoluta. Até mesmo inovou na criação poética, pois o samba Tiradentes, de Mano Décio da Viola, Penteado e Stanislau Silva, se contrapôs aos das concorrentes: tinha doze versos curtos, em vez de quarenta ou cinquenta linhas, como era comum na época.
Somente em 1952 as escolas voltaram a se reunir sob uma só entidade, a União. Mas naquele ano a unificação não pode ser comemorada, por um fator alheio à política carnavalesca: choveu de tal forma que não foi possível a realização do desfile. Em 1953, a Portela reassumiu a liderança. No ano seguinte, a Mangueira fez as pazes com a vitória, cujo sabor não sentia há treze anos.
Em 1959, as escolas Unidos do Salgueiro,  Depois Eu digo,  e Azul e Branco uniram-se para forma a Acadêmicos do Salgueiro. Na direção estava um comerciante de peixes, Nélson de Andrade, que, por não saber tocar qualquer instrumento, sambar ou cantar, definiu-se com o neologismo “sambeiro”. Contudo, detinha um poder que seria decisivo para a história de seu núcleo e, até mesmo, para o destino das escolas de samba: sabia administrar pensando no futuro.
Coube a ele atrair para sua escola um valor que até  então os demais redutos de samba não haviam utilizado diretamente: o intelectual. Pelas mãos de Nelson de Andrade, foram trabalhar na Acadêmicos do Salgueiro, Fernando Pamplona, Arlindo Rodrigues ( artistas plásticos), Nilton Sá, Dirceu Nery e Mari Louise Nery ( pesquisadores).
- o grande papel exercido por esse grupo – registra Fernando Pamplona – não foi a introdução de elementos plásticos mais ricos, como as críticas iniciais eram azedas em afirmar. Sua grande importância foi demonstrar que a era “dipiana” estava acabada. A ditadura de Vargas, período em que o DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda) impôs a obrigatoriedade dos enredos extraído da História do Brasil, havia acabado, mas as escolas mantinham essa tradição, por puro comodismo.
Como os redutos do samba eram integrados, sobretudo por negros, Dirceu e Mari Louise Nery encontraram um enredo apropriado para a Salgueiro: O Quilombo dos Palmares.
- Então, o que ocorreu – continua Pamplona – foi que o negro, habituado a contar enredos onde os heróis eram brancos, pela primeira vez veio a exaltar elementos valorosos de sua própria história, desconhecida por eles próprios, porque nos bancos escolares o que se dedica a Zumbi dos Palmares são poucas e esvaziadas linhas.
Essa mesma temática do negro narrando sua história viria dar à Acadêmicos do Salgueiro seu primeiro título , com o enredo Chica Da Silva, em 1963.  Foi um choque para os críticos, e o clube fechado das eternas campeãs ( Portela, Mangueira, e Império Serrano). As maiores críticas voltaram-se contra um balé apresentado pelo grupo folclórico de Mercedes Baptista.
Fernando Pamplona define a razão  de a Acadêmicos do Salgueiro ter introduzido o balé, como parte da forma narrativa do enredo Chica da Silva:  - A apresentação da escola é um exercício dramático, onde as fantasias, as alegorias e o próprio canto narram uma história.  E o balé estava presente na história de Chica da Silva. As críticas foram terríveis, mas ninguém se lembrou de que o grupo de Mercedes Baptista era de negros. E recrutados onde? Nos redutos de samba, onde se podia ver o negro dançar. Portanto, era mais uma exaltação ao valor do negro, que a maioria dos sambistas desconhecia, por não ter acesso ao Teatro Municipal ou a qualquer outra sala onde se exibisse balé.
Quanto à introdução da riqueza, superpondo-se à representatividade do sambista, Fernando Pamplona explica:  - aí , sim, entrou um elemento de criatividade que foi inovador. O que fizemos foi utilizar melhor as cores da escola – vermelho e branco - , dando maior destaque ao branco, que oferecia melhor efeito, no contraste com o negro. Foi vestir melhor a bateria e incorporar sua fantasia à narrativa do enredo. Aliás, aqui deve-se deslindar um segredo: a bateria do Salgueiro pareceu a todos haver crescido, melhorado. Isso deveu-se a um pequeno truque, a introdução de microfones miniaturizados na cuíca – cujo som desaparecia, normalmente, quando juntado ao grande número de peças que compõem uma bateria de grande escola.
Do grupo de artistas plásticos formados na Acadêmicos do Salgueiro, saiu também João Jorge Trinta ( o Joãozinho Trinta), que levou a Beija-Flor, aos trinta anos de existência, a arrebatar seu primeiro título. E foi com um tema inteiramente inusitado – Sonhar com Rei dá Leão – que aquela “escolinha”, lutando entre o segundo e terceiro grupos, chegou ao fechado clube das campeãs, em 1976. No ano seguinte, com o tema Vovó e o Rei da Saturnália na Corte Egipciana, Joãozinho Trinta repetia o feito, em  1978, chegava ao tricampeonato com o enredo Criação do Mundo segundo a tradição Nagô.
Em 1979, Arlindo Rodrigues, também da “escola salgueirense”, deu à Mocidade Independente de Padre Miguel seu primeiro título, ao longo de trinta anos de apresentações, com um tema tradicionalista: Descobrimento do Brasil.

FONTE: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979




Nenhum comentário:

Postar um comentário