sexta-feira, 4 de maio de 2018

CHIQUINHA GONZAGA - III - ATRAENTE - PRIMEIRO SUCESSO E PRECONCEITOS





O primeiro sucesso de Chiquinha Gonzaga aconteceu em 1877, quando se aproximava dos 35 anos. Estatura baixa (mesmo para a média das brasileiras da época), mas cheínha de corpo como pedia a estética algo renascentista do século XIX brasileiro, Chiquinha atingia então o ponto culminante da sua libertação dos preconceitos vigentes.  Tendo desistido das experiências duradouras, a atraente professora de piano e compositora de choros passara a adotar pioneiramente o conceito do amor livre, aceitando a simpatia de quem mais lhe agradasse, na verdadeira legião de candidatos às descomprometidas graças dos seus encantos.
Pois foi numa dessas reuniões entre amigos – e nas quais muitas vezes ela figurava como a única mulher – que Chiquinha Gonzaga teve a oportunidade de revelar pela primeira vez o seu talento de compositora popular. Segundo sua biógrafa Mariza Lira, isso se deu numa tarde de 1877. Chiquinha fora cumprimentar o compositor Henrique de Mesquita, criador do tango brasileiro, por ter sido agraciado pelo governo de Portugal com a comenda de São Tiago. A maestrina teria ouvido durante um sonho, na noite anterior, o esboço de uma melodia que, ao acordar, continuava a lhe ressoar no ouvido. Assim, durante a reunião de homenagem a Henrique de Mesquita na sua casa da Rua Formosa (hoje General Caldwell), e na qual se encontrava presente o famoso flautista Joaquim Antonio da Silva Callado,

Chiquinha Gonzaga sentou-se ao piano e começou a desenvolver de improviso a melodia sonhada. Era uma polca de ritmo sincopado, e logo após os primeiros acordes, esboçada a linha melódica, cada músico presente, contaminado pela graça saltitante da composição, entrou acompanhando com seu instrumento, o que transformou de maneira inesperada a primeira execução da polca na improvisação coletiva de um choro.  Essa polca logo famosa, intitulada ATRAENTE estava destinada porém a não permitir que Chiquinha Gonzaga provasse do sucesso sem o acompanhamento de um desgosto.





Impressa pelo Imperial Estabelecimento de Pianos e Músicas de Narciso A. Napoleão e Miguez, com bela capa desenhada por Bordalo Pinheiro, a polca Atraente, ao ganhar nas ruas as glórias do assobio anônimo, acabou recebendo também uma letra em que a autora era citada, de maneira ferina, pela facilidade com que se tornava atraente para  os homens.




ATRAENTE  ( Imagens do Rio Antigo)

A partir da repercussão da sua primeira composição impressa, Chiquinha Gonzaga (que a esta altura aperfeiçoava os conhecimentos de música com o Maestro Arthur Napoleão), sentiu que poderia se lançar a um novo campo da criação musical: o teatro de variedades, centralizado na famosa Praça Tiradentes, no Rio de Janeiro. Na verdade, para um bom músico da segunda metade do século passado  -  quando ainda não se pensava no disco e não se imaginava o rádio - , o melhor campo de trabalho e as mais amplas oportunidades de criação estavam nas operetas, revistas e burletas, que Arthur Azevedo se encarregara de transformar no espetáculo predileto da nascente classe média moderna, a partir da década de 1870.

Mais uma vez, entretanto, a compositora Chiquinha Gonzaga ia esbarrar num preconceito: até 1885, quando finalmente consegue estrear compondo a música da opereta de costumes A CORTE NA ROÇA, jamais se concebera uma mulher entre músicos e artistas, nos bastidores de um teatro. Ainda uma vez, porém, a valente Chiquinha Gonzaga imporia a sua vontade, depois de quase ser preciso lutar fisicamente contra a resistência dos músicos. Conforme relata Mariza Lira, o responsável pela Companhia Portuguesa Souza Bastos estava na Europa, e os músicos portugueses que ensaiavam a partitura de A Corte na Roça tentaram passar sobre a autoridade da autora da música, imprimindo andamentos diferentes dos indicados, o que levou Chiquinha Gonzaga a investir em fúria contra um dos instrumentistas:

- Alto lá, quem escreveu essa música fui eu, e não o senhor. Respeite o meu pensamento!

Vencidas as primeiras barreiras, ia ser afinal nesse movimentado mundo do teatro musicado que a compositora da polca Atraente melhor se realizaria. Desse ano de 1885 até 1934, quando aos 87 anos escreveu a partitura da opereta MARIA,  a pedido de Viriato Correia, Chiquinha comporia a música de 77 peças teatrais (das quais apenas cinco ficaram inéditas), tornando-se responsável, no total, por cerca de duas mil composições: polcas, valsas, tangos, lundus, maxixes, fados, quadrilhas, gavotas, barcarolas, mazurcas, habaneras, choros e serenatas.




Fonte: Nova História da Música Popular Brasileira
           Abril Cultural - 1977
Imagens: Google
Vídeo: Youtube


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