quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

ACABOU O NOSSO CARNAVAL - VIII




Nos primeiros anos do pós-guerra, o rádio sofre uma invasão de autores improvisados e intérpretes de segundo time, atraídos pelo lucro do carnaval. Inicia-se a fase da caitituagem (expressão criada por Aracy de Almeida para identificar o trabalho dos compositores a fim de que suas músicas conseguissem sucesso).
Era também a época da propina aos programadores das rádios, das compras de parceria em troca de promoção das músicas. Os cantores e compositores mais pobres eram obrigados a trabalhar de graça para divulgar suas músicas. Com o aparecimento da televisão, a situação tende a se agravar. Essa necessidade de trabalhar as músicas para que atingiam sucesso, além de afastar os melhores compositores, refletiu em sua própria criação. As letras são cada vez menores e mais simples, para que o rádio e a televisão possam tocar mais e para que sejam mais rapidamente digeridas pelo público.
Durante a década de 60, a música de carnaval começou a entrar em decadência. Muitos aspectos foram solicitados para explicar tal fenômeno, mas deve-se também pensar na possibilidade de exaustão de suas formas tradicionais – com a excessiva repetição dos esquemas e cacoetes das marchinhas e dos sambas carnavalescos. E mesmo o carnaval tornou-se uma festa com outro semblante, nos salões e nas ruas (onde é muito mais assistido do que brincado).
A produção de músicas de carnaval cresceu assustadoramente, ao mesmo tempo em que a qualidade decaía. Em 1930, apareceram cerca de 130 canções carnavalescas; em 1956, mais ou menos quinhentas cantigas; em 1961, setecentas. Para o carnaval de 1968 surgiram mais de mil composições, número que continuou a crescer nos outros anos. Jogadores de futebol, animadores de televisão, artistas, humoristas, vedetes, etc. resolveram arriscar sua musiquinha para cada ano, tentando compensar com sua fama em outro terreno a falta de inspiração musical. O crescimento do mercado e o fortalecimento  da indústria cultural brasileira durante os anos 60 também contribuíram para a adulteração do significado das músicas de carnaval. As canções carnavalescas aparecem agora sob o signo da imposição, forjada pela televisão, pelo rádio, pelas vedetes do disco. Passaram a ser medidas muito mais pelo lucro, do que pela alegria que proporcionam. Recusando-se a celebrar a folia tais canções prestam homenagem à banalidade e ao mau gosto. Um exemplo de 1967: “ meu pai é um chato,/ minha mãe é uma chata,/ meu irmão é um chato,/ minha irmã é uma chata/, eta  vida chata.”
Desaparece cada vez mais a oposição entre o carnaval e a rotina cotidiana. As regras de ordem, que eram abolidas durante a soberania de Momo, progressivamente vão se introduzindo no carnaval, hierarquizando-o, comercializando-o e alterando seu sentido social e cultural.
Carnaval, desengano; quarta-feira sempre desce o pano – como poeticamente constatou Chico Buarque em seu Sonho de um Carnaval.

FONTE:   NOVA HISTORIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979

Nenhum comentário:

Postar um comentário