quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

O CARNAVAL NO BRASIL - II



Portugal introduziu no Brasil o que se tornaria posteriormente uma espécie de símbolo nacional brasileiro, orgulho da terra:  
O CARNAVAL.
A data que os cronistas costumam fixar como o início do carnaval no Brasil é o ano de 1641. A velha São Sebastião do Rio de Janeiro, que por aquela época contava com menos de 10 mil habitantes, festejou carnavalescamente, por determinação do governador Salvador Correia de Sá e Benevides, a coroação do Rei D. João IV, o restaurador da monarquia portuguesa. A festa iniciou-se na noite do domingo de Páscoa, 31 de março, e durou uma semana. O próprio governador, com mais 166 cavaleiros vestindo compridas capas brancas e saudando D. João IV, abriu a encamisada – um desfile pelas principais ruas da cidade. O cortejo continua com carros enfeitados com flores, sedas e ramos, além de estarem “prenhados” de música. A gandaia prosseguiu com combates simulados, jogos de canas, corridas de argolinhas e, no último dia, a cidade assistiu a um desfile mascarado e burlesco, proporcionado pela gente fina do lugar.
(Esse carnaval, como ocorreu também com alguns dos posteriores, foi celebrado extemporaneamente, uma vez que o calendário católico determina que a festa momesca se realize sempre sete domingos antes da Páscoa).
Durante o século XVIII, o carnaval seria comemorado várias outras vezes. O de 1786 é até hoje considerado uma das festas mais brilhantes que o Rio de Janeiro conheceu. O casamento do príncipe D.João com a Princesa Carlota Joaquina serviu de pretexto para a alegria. O ponto alto da celebração foi um grande desfile de carros alegóricos, idealizado pelo tenente agregado Antonio Francisco Soares. O préstito era composto de seis carros, respectivamente dedicado a Vulcano, a Júpiter, a Baco, aos Mouros, às Cavalhadas Sérias e às Cavalhadas Jocosas.
Quando não havia um motivo especial de comemoração, a festa carnavalesca se transformava numa espécie de vale-tudo, conhecida como “entrudo” (do latim in-troitus: a entrada das cerimônias litúrgicas da Quaresma, na quarta-feira de Cinzas). O entrudo era um festival de violência, com enredo quase sempre brutal: arremesso de fuligem, goma ou farinha, e violentos esguichos de água, disparados de grossas seringas de metal.
O crescimento da população do Rio, durante o século XIX, contribuía para uma acentuação da rebeldia carnavalesca, com a participação de escravos negros e de mulatos nos cordões. Logo a selvageria do entrudo passou a ser combatida pela polícia, apoiada pelo moralismo e pelo ressentimento da classe média urbana. Percebe-se certo alívio nas palavras do romancista José de Alencar, quando, em meados do século XIX, ele afirma que “o entrudo está completamente extinto e o gosto pelos passeios de máscaras tomou (...) um grande desenvolvimento. Além do ‘Congresso’ das Sumidades Carnavalescas, (que ele integrava) muitos outros grupos interessantes percorreram diversas ruas, e reuniram-se no Passeio Público, que durante três dias esteve literalmente apinhado”.  
Paralelamente à decadência e à repressão do entrudo, começa a se desenvolver o gosto pela máscara, para a qual seria canalizada a imaginação popular. Dizem que as primeiras máscaras (chegadas por volta de 1834) eram de procedência francesa. Nas proximidades do carnaval, figuravam no mostruário das melhores casas importadoras da Rua do Ouvidor, do lado de outros apetrechos carnavalescos. Eram confeccionadas em cera muito fina ou em papelão, simulando caras de cão, gato, porco, cabeças articuladas com bigodes e barba, olhos que piscavam e queixos móveis. O carnaval deixava de ser apenas uma ‘fabricação de limões-de-cheiro, atividade que ocupa toda a família do pequeno capitalista, da viúva pobre, da negra livre’, como queria o pintor francês do século XIX Jean Baptiste Debret. (o limão-de-cheiro era uma esfera oca, feita de cera, cheia de água, para ser arremessada).



A ELEGANTE FARRA ENCLAUSURADA

O primeiro baile carnavalesco do Rio de Janeiro data de 1840.
“O Jornal” estampou o seguinte anúncio: “Hoje, 22 de janeiro, no Hotel de Itália, haverá baile mascarado com excelente orquestra, havendo dois cornets à pistons”. O “baile da subscrição” foi idealizado pelo cidadão italiano Angelo Squassfich, em seu hotel nas imediações do Largo do Rocio. A iniciativa foi logo reprisada; no dia 20 de fevereiro do mesmo ano, outro baile se anunciava: “Baile de máscaras, como se usa na Europa, por ocasião do carnaval”.
Esses primeiros esboços de bailes carnavalescos assinalavam uma diferença que se tornaria presente em quase todo  o carnaval brasileiro: de um lado, a festa popular, de rua, presa às camadas subalternas da população; de outro, o carnaval de salão, divertimento das classes médias que procuravam limites para sua farra. A divisão entre os carnavais se tornou tão grande que o historiador de MPB José Ramos Tinhorão aponta três práticas momescas distintas, no Rio do início do século XX: “o da ‘gente bem’ nos grandes clubes (o ‘High Life’ surgiria em 1908) e nos corsos, à base da novidade dos automóveis conversíveis; o dos remediados na Rua do Ouvidor e, depois, na Avenida Rio Branco; e finalmente , o dos pobres no jardim da Praça Onze, destruído na década de 90 para dar passagem à Avenida Presidente Vargas”.
Por muito tempo, os bailes que custavam 2 mil-réis o ingresso só se distinguiam dos demais pelas máscaras e pelas fantasias, obrigatórias. Por essa época, devido à influência francesa, a fantasia de maior sucesso era o dominó (túnica com capuz e manga), apesar de inadequada ao verão carioca.
A partir de 1844, com um reajuste nos preços (passou a custar 4 mil-réis, mas as mulheres não pagavam), os bailes ofereciam uma ceia com vinhos e refrescos. Em 1846 funda-se a Sociedade Constante Polca, que se encarregou de organizar os bailes do Hotel de Itália. A polca era a música mais utilizada pelos antigos foliões. Os cronistas de costumes da época afirmavam que a mocidade sentia na polca um habeas corpus. Os bailes se transferiram, então, para os teatros, onde se dançavam também a animada quadrilha e a valsa rodopiante. Já no final do século começaram a aparecer as primeiras quadrilhas com títulos extravagantes que se designavam “carnavalescas” – mas que não iam além do nome das intenções, sem os traços que posteriormente qualificariam uma música como adequada ao carnaval. Ainda em 1846, a cantora Clara Delmastro promoveu, no Teatro São Januário, um baile famoso, do qual participaram mais de mil pares fantasiados, com as contradanças vibrando até a madrugada. Mais tarde (1871), o Imperial Teatro Pedro II inaugurou-se com um estrondoso baile de máscaras. O teatro São Pedro também transformou sua plateia em salão.
Porém os bailes carnavalescos tiveram de ser moralizados, para que as mocinhas de família pudessem frequentá-los. As famílias, no início, não caíam na gandaia: eram observadoras de camarote. José de Alencar foi um dos que mais insistiu na educação dos hábitos momescos, o que gerou os bailes “essencialmente familiares”. Já então as fantasias mais concorridas, para as mulheres, eram as de cigana, de oriental, de rosa, de indiana e de mourisca. Os homens preferiam vestir-se de charlatão, satanás, ministro, jóquei ou contrabandista. Em tais folias, o champanha francês era obrigatório; nos salões, decorados com flores artificiais, não faltava ocasião para um concerto de piano ou de violino antes das danças, além da apresentação de grupos corais e do “corpo de coros”. Em 1893, ocorreram 93 bailes; em 1907, realizaram-se os primeiros bailes infantis, promovidos pelo Colomy Clube; e em 1918, no Teatro Fênix, aconteceu pela primeira vez um baile que ficaria tradicional na história do carnaval: o dos artistas “do escopo, do painel e da pena”, como diziam os jornais.
Os bailes fixaram uma das formas que o brasileiro encontra para festejar o carnaval: nos salões, onde a permissividade pode ser controlada mais facilmente e onde podem ser preservadas as distinções sociais.

FONTE: NOVA HISTÓRIA DA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA
ABRIL CULTURAL - 1979
IMAGEM: GOOGLE



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