A
fase do tango alegre alcançou sua maior intensidade no bairro da “Boca” que –
segundo José Sebastián – entre 1916 e 1918 era o centro noturno do tango
típico. Na “Boca” o tango era uma coisa de machos, assim com uma dose dupla de absinto ou uma punhalada. Entretanto
outro ensaísta famoso Daniel Vidart, reconhecendo e aceitando a infância
cansada do tango, explica: “mas o tango também
foi dançado pelos carregadores,
feirantes, lixeiros, peões, e foi a música de lavadeiras, passadeiras e
costureiras dos cortiços, e foi cantado nos prostíbulos, sim, mas foi também o
vento jovem das praças, a alegria das esquinas, a música das pianolas e a
campainha dos bondes dos operários”.
No
bairro da “Boca” havia muitos bares que eram servidos por garçonetes. Nos
pequenos e estreitos palcos que serviam de cenário surgiu a fama de alguns dos
nomes mais significativos da “velha guarda” do tango: Agustín Bardi (pianista), Francisco Canaro (violino), Roberto Firpo (piano), Vicente
Greco (bandoneón), Samuel
Castriota (piano), Eduardo
Arolas (bandoneón) e Angel villoldo (cantor), entre outros. Aqueles alegres e duvidosos salões de “entretenimento” chamados La Marina,
La turca, La Taquera, La Popular, El Griego, Las Flores, El Argentino, El Royal,
constituíram um centro de reunião da vida marginal de Buenos Aires, que tinha
como eixo a legendária esquina formada pelo cruzamento das Ruas Suárez e
Necochea. Ali nasceram as imortais composições: Don Juan, El Esquinazo, 9 de
Julio, El llorón, Sábado Inglés, El amanhecer, etc...
Se
os Corrales Viejos e La Batería ofereceram suas pistas aos criadores do tango
dançado, foi nos cantos do bairro de Juan
de Dios Filiberto
onde seu ritmo e melodia começaram a conquistar auditórios. Filiberto
também percorria as mesmas ruas daquele tempo, apesar de sua obra possuir um
tom romântico, totalmente alheio ao mundo do pecado por ele descrito. É que a obra musical, ao contrário das outras
artes, jamais poderá ser taxada de imoral. Por isso, no fundo, não era grave
que lhe servisse de terra de cultivo o ambiente de prostíbulo. Suas notas
vinham caminhando ao som do clamor popular e começavam a ganhar chão à procura
da conquista do centro da cidade. Das casas mal afamadas do bairro da Boca e
outros salões da periferia, o tango passa às casas mal-afamadas que circundam o
centro da cidade onde reinam: a Morocha Laura, Maria la Vasca, Mamita, Madame
Blanche e a China Joaquina. São lugares privados que filtram a frequência com
ingressos caros, que se tornam proibitivos para os mais pobres. Alguns desses
bailes são animados por ases da “velha guarda” : Rozendo Mendizábal, José
Luiz Roncallo e Ernesto Ponzio.
Também
o bairro de Palermo concentra sua atenção no tango através de Hansen, El
Tambito e El Velódromo onde atuam Luis
Teisseire, Enrique Saborido,
José Luis Padula, Paulos, Ponzio, Berto e Bazán.
No
auge em que vai entrando o tango, as pequenas orquestras da “velha
guarda” começam a ocupar os cafés da periferia, preparando-se para o grande
salto ao centro. Manuel Aróstegui
anima as noites do Maratón, Canning e Costa Rica. Domingos de Santa Cruz exibe suas habilidades “bandoneonísticas”
no Café Atenas de Canning e Santa Fé; Castriota
no El Protegido de San Juan y Pasco; os
irmãos Greco no El
Estribo de Entre Rios e Independencia; Bardi
no TVO de Montes de Oca e California; Pacho
é o maior sucesso no Garibotto de Pueyrredon e San Luis. Outros músicos de
igual sucesso atuam em La Fatinola, La Fazenda, El Caburé, e no famoso salão
Rodriguez Peña.
Com
tais baluartes nos bairros, os líderes do tango iniciam sua marcha ao centro. Pacho se apresenta no Bar
Corrientes, no 1400 da rua do Tango; Eduardo
Arolas ocupa o Botafogo e Roberto
Firpo acompanhado por Bachicha
(J.b. Deambroggio) tentam ocupar
a hispânica Avenida de Mayo, transformando El Centenario em café de Tango, no
1200 desta avenida.
Nesses
cafés cumpria-se um ritual, uma mística exclusiva para homens solitários, e que
com os anos desembocaria nas famosas “catedrais do tango” dos anos 30 e 40,
chamadas: cafés El Nacional, Marzotto e Germinal, todos desaparecidos nos
primeiros anos da década de 50.
Em
1910, num café-concerto do bairro da Boca, atuava Angel Villoldo
(El Choclo e El Esquinazo), que foi, sem dúvida, o mais criativo de seu tempo. É dele o mérito de ampliar o espectro do
tango, levando-o a um nível mais familiar e de maior dignidade humana. Depois de compor obras com
versos que aludem ao bordel (La Morocha, de Saborido), Villoldo leva essas
composições às pianolas de Rinaldi-Roncallo,
a fim de que fossem incluídas em seu repertório. Montados nesses instrumentos
ambulantes, que substituem a eficácia do rádio na tarefa de divulgar e promover
a música popular, os compassos do tango se espalham pela cidade, penetram nas
varandas das casas de família e acabam por se instalar nas mesmas estantes onde
antes estavam as partituras de “Pour Elise” ou da “Valsa das Ondas”, que eram
romanticamente interpretadas pelas donzelas da casa. Assim, o tango deixa para trás o turvo passado, desligando-se do eco
dos prostíbulos do seu nascimento no bas-fond e do escândalo de ter
servido de marco para os turbulentos encontros entre os taitas e as percantas
da periferia.
FONTE: TEXTO: JORGE MONTES-
jornalista (Produção Bandeirantes
Discos) –
Enciclopédia WIKIPÉDIA
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